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Experiência: Ossos quebrados

 

 

 

 


Saltou pela janela
rasgou o ar
seu corpo se abriu.

 

Essa queda violenta poderia parecer horrenda ou vexatória, dependendo do humor da testemunha.
 

Para Yves, no entanto, achatado igual personagem no chão, foi o que possibilitou a ele o acesso ao extradimensional.
 

Rumo à exploração do intangível, dizia a si mesmo enquanto recolhia apressado os órgãos que espirraram no asfalto. Claro que estava um pouco humilhado; sabia perfeitamente como derrubar e cair, mas suas técnicas também ruíram.


Agora, levantado do chão, um pouco manco, Yves invade o inexistente. Engatinhando, junta o fôlego e repete a ação: joga-se mais uma vez em direção ao mistério.


    De um lado, cruza com o oculto;


 à frente, avista o secreto; 
 

      vindo logo ali, o estrangeiro; 
                   rápido o estranho; 
      quase não percebe o irracional; 


 logo avança o vulto bárbaro.


Imediatamente, no susto que toma, destrava a goela: está fora do plano do sentido herdado; está finalmente estirado sobre o terreno do não saber!


Acima: azul
Um lado: azul
Abaixo: azul    
Outro lado: azul

Rodopio: não vejo horizonte
 

Ali, não há função, não há posição. Não há, então, não-existência nem existência. O que permanece é o vazio e o informe. Ao seu redor, apenas uma imensa cor. Unificação entre céu e terra.


Yves mexe as pernas para caminhar. Nada se desloca; está andando como em uma esteira. A grande cor que o envolve dilata-se conforme ele tenta fixar o olhar à frente, o que torna mais incerta a presença de um começo ou fim para aquele cenário.

Experiência: Voo

 

 

 


O homem, cego pela consciência, é incapaz de olhar o mundo.


Dito isto, o profeta zombeteiro saltou pela janela e imediatamente surpreendeu-se: estava levitando.


Yves sentiu uma estranha ascensão. Seu corpo teimou em não cair e aprendeu a voar na queda.
 

Assim que percebeu, uma sensação de euforia o tomou. Seu peito endureceu-se. Logo, cuidou para que isso não o desestabilizasse.


Nariz em riste. O importante era seguir em direção ao impossível. Afinal, a queda deixou de cair.


Nos bolsos do casaco, dessa vez, trazia pincéis variados e um pequeno rodinho. Antes que voassem abaixo, correu as mãos para pegá-los.

 

 

 


 

 

Pincelou o máximo que pôde e tornou palpável o vazio que já era azul.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Em algum momento, Yves está fechando calmamente os punhos duplos da sua camisa. Na noite anterior, quando um camarada quase esbarrou nele com um cigarro aceso, Yves, levemente embriagado, teve um reflexo rápido e desviou o braço de forma abrupta, fazendo saltar uma das abotoaduras. Pensou tê-la perdido, até que, nesta manhã, a encontrou caída dentro do bolso do casaco. Enquanto lembra do ocorrido, sorri de canto ao imaginar que havia arregalado os olhos com o susto, daquele mesmo jeito que fazia na infância.


Aperta mais uma vez o nó da gravata e olha para os sapatos: estão bem amarradinhos. Levanta-se da cadeira, agarra o paletó que está sobre a guarda e termina de se vestir com elegância.


Dá três passos e se coloca em frente à janela do sótão. Arqueia as sobrancelhas, mantém o olhar sereno. Já faz um bom tempo que decidiu que deveria agir fora da linguagem formal.


Pisa no batente, toma impulso,

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

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está fora do plano
O homem, cego
Yves sentiu
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