John, agarrado a uma árvore, avista do alto da copa os pássaros boiando na inundação. Conforme os barcos navegam, uma ondulação circular se propaga ritmicamente. No balanço, a água parece um veludo esverdeado, mas a aparente elegância não passa de uma ilusão. Tudo é fétido e contaminado pelo esgoto que se misturou. Boiam os pássaros e a morte.
Ao despertar do sonho agitado naquela manhã, em sua cama, John viu-se transformado.
Tinha impresso nos olhos os corpinhos gordos, perfeitamente estendidos. Alguns estavam com as barrigas para cima e cabeças voltadas para o lado; outros, com os olhos e bicos afundados no líquido podre. As pombas, estúpidas como qualquer outro ser, estavam pateticamente mortas pelo acaso de seu sonho. Elas preenchiam a superfície da imagem com o cinza das penas, pincelando alguns pontos de verde e roxo prismático de seus pescoços, e iluminavam tudo com as beiradas prateadas. Talvez, muito comum entre as pombas domésticas, também essas fossem malformadas pela urbanização e tivessem tocos no lugar das patas. Ele não se lembrava dos detalhes, mas ouvia, ecoando baixinho, o farfalhar das folhas das árvores por onde os pássaros tombaram. Ainda gravado na visão, pareciam borrões repicando duros de galho em galho. Cada um foi foi foi batendo, até finalmente cair na água.
Aquele homem quebrando pelo telhado parecia um saco de batatas. – Pensou, sem querer.
A mistura de pássaro, homem e saco de batatas causava confusão. Iam e vinham na sua cabeça, fazendo John pensar nos fossos abertos que precisou aprender a desviar devido à presença constante da morte em sua vida. Foram tantos que seu próprio corpo se tornou desviado.
Há algum tempo, John dá passos serpenteantes, agarrando-se às paredes e parando momentaneamente para que sua cabeça entenda que precisa obedecer à lei da inércia.
Outro dia, ele jogou o pescoço para trás e pousou o olhar no trio de lâmpadas da luminária no teto, que giraram loucamente. O enjoo foi tão intenso que ele precisou deitar ali mesmo, sobre o tapete. A náusea era triunfal; sentiu que vomitaria no ar e, com os olhos fechados, levantou-se velozmente para evitar o banho nojento. O piso pareceu entortar, e ele teve a sensação de escorregar para baixo. Talvez o prédio estivesse desmoronando. Num grito, ele se virou para o lado oposto, tentando alcançar a parte empinada do chão, e abriu os olhos, apavorado. Tudo estava estranhamente horizontal, reto, estático. Impossível.
Agora, com as aves caídas em sua memória, ele precisava mais uma vez contornar o fim, sem que antes as pontas dos seus pés titubeassem tontamente a cada pisada. Sente medo, pois o chão se dilata conforme é tocado. Cada tentativa de passo parece uma pedrinha ricocheteando na superfície do lago, atormentando a quietude e desarmonizando o solo.
John está completamente apavorado pela ideia de que tudo possa afundar. A cada novo dia, uma nova ave despenca do céu.