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Zissou diz: 
“Eu também alço voo como Gabriel Voisin” 

e salta da beirada de um dos barquinhos ancorados na areia. Vai com os braços erguidos, peito aberto, mãos relaxadas, olhar sereno, impulsionado pelas perninhas magrelas.


(
Entre o final do século 19 e o início do século 20, havia uma corrida entre inventores para realizar o primeiro voo estável em uma aeronave mais pesada que o ar. Voisin esteve entre esses pioneiros, e era comum que as tentativas fossem abertas ao público.
)


A frase e a imagem do menino voador na praia francesa de Merlimont foram registradas pelo irmão mais novo, Jacques-Henri, quando ele tinha apenas oito anos de idade. Jacques fotografava desde muito pequeno: começou piscando com os olhos e captando as imagens na memória; depois, usou brevemente a câmera do pai para gravar no papel filme imagens posadas da família. Naquele ano em que fotografou o voo de Zissou, 1904, ganhou sua própria máquina, uma pequena e moderna Gaumont Block-Notes. Sempre a carregava a tiracolo por onde quer que fosse.


Um dia, ao revelar uma foto do irmão e do primo, percebeu uma figura fantasmagórica na imagem. Após acionar o obturador, ele decidiu fazer um experimento e correu para a frente da câmera, tentando também ser captado, mas acabou se tornando um borrão. A partir daí, ele e Zissou decidiram fazer fotos de “fantasmas”. O mais velho era a vítima indefesa, enquanto Henri, enrolado em um lençol, fazia o papel de assombração translúcida. Aos poucos, tornou-se uma obsessão capturar a passagem do tempo.


Os garotos estavam alvoroçados com o espírito da locomotiva do progresso que avançava em ritmo acelerado. Foi um momento de molas nos pés das pessoas. Elas estavam sempre agitadas pela adrenalina da época e sorriam aos saltos para as fotos do pequeno Jacques, que se divertia com as rápidas quedas e as preservava por meio da fotografia.


Zissou, por sua vez, gostava de inventar traquitanas. Entre botes e carros bastante elaborados, construiu também grandes aeroplanos chamados ZYX, com os quais tentava voar. Envolvia família, amigos e empregados na produção e fazia bonitas estruturas de ferro e tecido – estes surrupiados das enormes metragens compradas pela mãe para fazer lençóis. Posicionava o corpo agarrado à base do aeroplano, e os outros puxavam e empurravam o engenhoso equipamento, tentando fazê-lo voar.

Num dos álbuns de Henri,
lemos próximo a uma foto: “decolagem”;
noutra: “aterrissagem”;
na terceira: “depois da aterrissagem” – e o avião espatifado, com Zissou rindo enquanto era socorrido dos destroços da fuselagem.


Os inventos nunca realmente voavam para longe como ele gostaria, e Jacques aproveitava para fazer troça, embora os inúmeros registros demonstrem seu apreço pelos intentos do irmão.


Zissou e Jacques-Henri nasceram em uma família da antiga nobreza francesa. Tiveram suas paixões incentivadas pelos pais e cresceram com todos os meios para pô-las em prática.


Pela vida inteira, Jacques guardou todas as suas fotografias em grandes álbuns, anotando ao redor delas o nome de quem aparecia, os locais e anos dos registros, assim como, vez ou outra, reproduziu as frases ditas no instante da captura.


Por quase um século, fotografou com muita curiosidade a vida à sua volta. Registrou tudo o que lhe agradava, enchia de entusiasmo, causava admiração. Todo o resto, deixou passar.

Desde a janelinha do Boeing onde estou, com os joelhos apertados pelas pequenas e duras poltronas, sobrevoo a Paris dourada e vejo lá embaixo estruturas de ferro subindo sem parar. Os carros esportivos estão distorcidos pela velocidade e as crianças pulam de felicidade ao vê-los passar, puxando roupas e cabelos com as lufadas de vento. Alberto pedala velozmente uma bicicleta, gritando comandos para cima, enquanto Aída pilota baixinho nos céus. O caos está belissimamente iluminado. Quero saber o que fazem os garotos e aproximo de mim a cena que se desenrola abaixo, dando uma pinçada com os dedos na tela do meu celular, o que faz o trio de lentes trabalhar silenciosamente. Consigo ver o bonito jardim da família Lartigue. Jacques está com a câmera em mãos, posicionado ao pé da escadaria. No topo dela, Robert, Oleo, Louis e... Zissou; todos imprimem largos sorrisos. Eles se jogam degraus abaixo e click! Ficaram para sempre no ar. A prima Bichonade também vai saltar para os instantes do fotógrafo. Pula num dia, pula no outro. A saia embolota-se nas pernas curvadas.


A família e os amigos festejam a vida curiosa e criativa e, no ócio que têm, não param de lançar beleza ao mundo.

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