
CCCD - Cineclube do Centro Cultural da Diversidade
De 13.10.2021 a 30.11.2022
Centro Cultural da Diversidade
Depois do período de isolamento decorrente da pandemia da covid-19, o DEPOIS DO FIM DA ARTE começou a organizar um cineclube no Centro Cultural da Diversidade. Os filmes exibidos foram escolhidos por apresentarem experimentos formais radicais que dessem forma a narrativas alternativas àquelas do cinema mainstream. A partir dos interesses dos pesquisadores do grupo, um texto introdutório e um comentário audio visual foram realizados e apresentados antes da projeção.
Participantes: Alex Avelino, Anna Talebi, Dora Longo Bahia, Felipe Salem, Fernanda Pujol, Gabriel Ussami, Guilherme Ferreira, Lara Ovídio, Leila Zelic, Mariana Metri, Maya Guizzo, Murillu, Nina Lins, Ottavia Delfanti, Pedro Andrada, Thais Suguiyama e Victor Maia.
26.10.2022
POCILGA (1969)
[Porcile]
de Pier Paolo Pasolini
com Alberto Lionello, Anne Wiazemsky, Jean-Pierre Léaud, Marco Ferreri, Ugo Tognazzi
99 minutos
Neste mês, o Depois do Fim da Arte exibirá no cineclube do Centro Cultural da Diversidade Pocilga (1969), filme dirigido por Pier Paolo Pasolini. Pocilga apresenta duas histórias distintas de forma paralela:
Uma se passa sem diálogos, no final da Idade Média em uma paisagem vulcânica (as filmagens foram feitas ao redor do Vulcão Etna, na Sicília), e mostra a trajetória de um homem faminto e errante (Pierre Clémenti) que forma um pequeno bando com assassinos e prisioneiras, todos canibais e que lançam as cabeças decepadas de suas vítimas ao vulcão. O bando tenta sobreviver enquanto escapa da lei – representada pelos soldados e pela Igreja que os persegue. Os planos abertos no cenário árido, a introspecção dos personagens e a marcha dos soldados sobre os montes remetem ao Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, lançado 12 anos antes.
A outra história, verborrágica, é sobre Julian (Jean-Pierre Léaud), um jovem que nem obedece e nem desobedece, é nem conformista e nem revolucionário, e prefere os porcos à sua pretendente Ida (Anne Wiazemsky), uma militante burguesa que representa para Pasolini os estudantes filhos da burguesia que protestavam por causas que não pertenciam a eles. Julian é filho do industrial Herr Klotz (Alberto Lionello), um nostálgico do nazismo fisicamente caracterizado como Hitler que disputa poder político com o também industrial e antigo colega nazista Herdhitze (Ugo Tognazzi). Essa segunda trama se passa na mansão da família Klotz na Alemanha de 1967 (“templo de um avô italianizante”, como coloca Ida em certo momento, ou “recôndita vila italianizante”, como responde Julian), quando o país começava a entrar em recessão após o Milagre do Reno (Wirtschaftswunder – “milagre econômico” da Alemanha Ocidental e da Áustria no pós-guerra).
O filme faz uma crítica à sociedade capitalista que ordena a obediência e sacrifica tanto os que a ela se opõem quanto os sujeitos indiferentes como Julian: “A moral do filme, se ele tem uma, é que a sociedade atual esmaga seus filhos desobedientes, mas igualmente aqueles que se comprazem na ambiguidade”, revelou o diretor a Jean Duflot em entrevista publicada no livro As Últimas Palavras do Herege. Mas Pocilgatece também um elogio à barbárie – não a nazista, mas a primitiva, que para Pasolini tem algo de puro e bom: "Os bárbaros choram. É o homem moderno que pretende ser indigno chorar", afirmou na mesma entrevista. Além de canibalismo, o filme utiliza também de zoofilia como metáfora da condição humana na sociedade de consumo. Entretanto, a selvageria, termo utilizado pelo diretor, não impede o tom cômico dos jogos de câmera e dos diálogos entre os burgueses, assim como a atmosfera erótica que predomina na história dos canibais.
Pocilga é o resultado cinematográfico de duas tragédias escritas por Pasolini para o “teatro da palavra”, um novo teatro manifesto pelo próprio e cuja proposta era nem divertir, nem escandalizar. Entre a escrita das peças (Orgia e Pocilga), sua roteirização em uma única obra e a filmagem desta, a produção levou quatro anos para ser finalizada. Estreou em 31 de agosto de 1969 no XXX Festival de Veneza. Pocilgaé o segundo filme da guinada de Pasolini à um cinema mais denso e conceitual, fase inaugurada por Teorema (1968).
Pier Paolo Pasolini, comunista, cristão e homossexual, foi um cineasta, poeta e escritor italiano. Começou a escrever poesia aos sete anos e se graduou em literatura pela Universidade de Bolonha. Se filiou ao Partido Comunista em 1947 e, em 1949, foi expulso por conta de sua sexualidade. Seus filmes tratam de religião, sexualidade e arcaísmo, sempre críticos à sociedade burguesa, e são considerados ainda hoje controversos. Entre suas obras mais conhecidas estão Salò ou os 120 Dias de Sodoma (1975), Decameron (1971) e O Evangelho Segundo São Mateus (1964). Em 2022 se comemora o centenário de vida de Pasolini.
Fernanda Pujol