Prabaixo
Prabaixo
Prabaixo
pela toca, Alice cai
(
Alice carregava cicatrizes nos joelhos, fruto das recorrentes quedas infantis. Desde a maturidade juvenil, no entanto, aproveitava de forma segura os dias com os amigos, ainda que soubesse da instabilidade do terreno e de suas próprias pernas.
Existia uma relação harmônica palpável entre as pessoas, seus cigarros e bebidas — que, agora mais do que nunca, tinham um gosto especial. Tudo estava em acordo, e Alice experimentava uma sensação de estabilidade.
)
Alice passa,
passa por tudo,
enquanto a queda segue em inquietante metamorfose
da toca
em penhasco
em túnel
em elevador
em corredor
em sala
em hipnose
em erotismo
em psicoativo
em psicotrópico
em água
em balde de lata sem fundo
em
Alice se debatia,
danando por se ver tão
aprofundada
empurrada sacudida
revirada
ai ai ai
...
a queda se sobrepõe.
Alice está começando a perder a sensação de ter seu corpo empurrado vazio abaixo.
Aos poucos,
ossos,
músculos
e pele
acostumam-se ao movimento,
apesar de seus cabelos parecerem ser puxados para cima por cordinhas invisíveis.
Ela habitua-se tanto à queda que não percebe, ou talvez não se importe, com as transformações que acontecem em seu corpo.
Gigante,
minúscula;
adulta,
criança.
Seu humor também está mudando. Ela se deslumbra com os cenários que a espiam enquanto os atravessa lentamente;
em outras vezes, assusta-se e chora.
Um pavor a atormenta.
No longo percurso, pergunta-se o que irá acontecer se nunca parar de cair. Quase se sujeita à angústia do não saber.
Eufórica,
solitária,
desanimada.
A queda também sente o peso de Alice atravessando sua extensão e a envolve com força, abraçando seu corpo, ao mesmo tempo que lhe puxa os tornozelos e empurra os ombros para baixo
cai
cai
cai
cai
enquanto o vento assovia em seus ouvidos e laceia seu corpo.
Que medo de estar caindo no vazio,
murmura baixinho, esperando que ao menos as paredes possam contestá-la.
Tudo o que escuta é o canto debochado que elas entoam em uníssono:
Prabaixo!
Prabaixo!
Prabaixo!